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Hermes, o Adivinho?


Alguns dizem que ele viveu na região de Ninus, no Egito antigo, nalgum ponto do tempo entre 2.500 a.C. e 1.500 a.C. Dizem que era legislador e filósofo, e teria escrito 36 livros sobre teologia e filosofia (que naquela época não eram tão separadas) e 6 sobre medicina, todos eles perdidos ao longo das invasões e saques e mudanças de impérios regionais. Alguns o confundem com deuses, uns o chamaram de Toth, mas ficou mais conhecido como Hermes Trimegisto (ou Trismegisto, quem se importa), o Três Vezes Grande, fonte primária do que se convencionou chamar hermetismo.


Segundo Mircea Eliade em História das crenças e das ideias religiosas (vol. II), o hermetismo teria florescido entre os séculos III a.C. e III d.C. no mundo helênico e romano, primeiramente através da própria cultura popular e depois como filosofia profunda, onde ele situa a obra mais importante, o Corpus Hermeticum, escrito em grego. Eliade vê no hermetismo um imenso sincretismo de filosofias espirituais judaicas, egípcias, iranianas e até mesmo platônicas. É muito difícil, portanto, cravar que Hermes foi somente um homem, ou um deus, ou um grupo de sacerdotes escritores, ou que viveu somente no Egito etc. O que nos importa aqui são os famosos 7 Princípios Herméticos: teria Hermes, seja ele quem for, adivinhado em boa medida os avanços da ciência e do conhecimento modernos milênios atrás?


Veremos...


I. “O Todo é Mente; o Universo é Mental.”

Se é verdade que não encontramos teorias científicas de muito destaque que associem o universo diretamente a uma mente, seria apressado afirmar que Hermes chutou em falso logo em seu primeiro princípio. Ocorre que a própria lógica da demonstração deste axioma nos remete ao próprio momento da Criação, e de como “uma substância não pode gerar a si mesma” (como resumiu Benedito Espinosa em sua Ética, muitos séculos depois): ou seja, para algo surgir sem depender de outro algo já existente, há que se ter uma criação mental.


Como já disse Carl Sagan em Cosmos, “se você quiser fazer uma torta de maçã a partir do zero, você deve primeiro inventar o universo”. É que a única forma de fazer tal torta sem depender da pré-existência dos seus ingredientes é imaginá-los, da mesma forma que imaginamos uma cadeira de madeira sem depender da pré-existência da madeira. Assim sendo, compreender o universo inteiro como uma criação mental nos leva necessariamente ao fato de ele ter tido um início no tempo.


Ora, o próprio termo “Big Bang” foi primeiramente cunhado de forma pejorativa pelo astrônomo inglês Fred Hoyle, que como quase todos os cientistas de sua época, defendiam que o universo provavelmente “esteve sempre lá”, mais ou menos do mesmo tamanho, e que não poderia, de forma alguma, estar se expandindo indefinidamente desde algum ponto no tempo onde seu diâmetro cabia na cabeça de um alfinete. Não ajudava, decerto, o fato da própria teoria do Big Bang haver sido proposta por um padre jesuíta belga, Georges Lamaître, que também calhava de se interessar por astronomia e cosmologia. Tudo aquilo parecia bíblico demais, mas no final das contas se comprovou realidade, e toda a astronomia moderna eventualmente se curvou aos fatos.


A diferença é que Hermes não disse que “no princípio Deus criou o céu e a terra”. Ele disse algo distinto: o Todo é o céu e a terra, o Todo é a imaginação divina. O Todo não criou o mundo e depois foi descansar, mas imaginou tudo que há a partir de si mesmo. O Todo simplesmente é.


II. “Assim acima como abaixo; assim abaixo como acima.”

Mais ou menos quando o hermetismo surgiu no mundo grego, já era válida a chamada “física aristotélica”, baseada nas ideias de Aristóteles sobre o Cosmos. Ela foi inicialmente tão respeitada que era quase intocável, mas eventualmente sofreu críticas e, somente muitos séculos depois, com o advento do telescópio e da ciência moderna, foi derrubada em definitivo.


Ora, há pelos menos dois princípios fundamentais da física aristotélica que batem de frente com o segundo axioma de Hermes. Segundo Aristóteles, objetos muito acima da superfície da Terra não são constituídos por matéria originalmente terrestre, comum, mas pelo chamado Éter ou Quintessência. Ele também defendia que o Sol e os planetas são esferas perfeitas que não se alteram. Bem, isso basicamente queria dizer que o Céu, ou tudo que havia para além da Terra, não seguia as mesmas leis físicas, tampouco era constituído da mesma matéria básica. Não foi isso que arriscou Hermes, seu princípio diz claramente que as mesmas leis que valem acima, no Céu, devem valer abaixo, na Terra; muito embora elas possam variar em grau, tal variação jamais será absoluta.


Hoje sabemos que somos formados pela poeira de estrelas, que os elementos pesados de nosso corpo foram todos forjados no núcleo estelar, e que nossa matéria é prima de toda a matéria do universo, seja em que ponto estiver no espaço e no tempo... Hermes não precisou de telescópio para acertar mais um chute. Um sujeito muito sortudo, eu diria!


III. “Nada se encontra parado; tudo se movimenta; tudo vibra.”

Quando Hermes elaborou tal axioma, o máximo que se podia observar do mundo atômico era o que se conseguia enxergar com olhos nus. Demócrito fala em átomos indivisíveis, e dizem que tal ideia veio da observação de poeira flutuando pelos raios de sol de alguma tardinha. Tudo bem, o filósofo grego não estava longe da verdade, mas como, como diabos Hermes pode ter tomado conhecimento de que tudo o que há de fato está em constante vibração, e jamais parado?


As ideias de Demócrito só vieram a ser revistas em meados do século XIX, sendo que a física de partículas e a mecânica quântica só surgiram para valer na ciência moderna no século passado. Hoje sabemos que no mundo atômico e subatômico, as partículas não somente estão vibrando incessantemente, como sequer podem ser medidas com grau completo de certeza quanto a sua posição e movimento: segundo o princípio da incerteza na física quântica, ou sabemos de uma informação, ou de outra.


Em seu estado mais fundamental, os elementos que constituem o Cosmos estão não somente em vibração eterna, como se movimentam de forma tão elusiva que sua posição no espaço é antes uma probabilidade do que uma certeza. Como já disse uma vez um físico muito simpático, “se você acha que entendeu alguma coisa sobre mecânica quântica, então é porque você não entendeu nada”.


No entanto, há milênios atrás, sem microscópio algum, o lazarento do Hermes acertava na mosca mais uma vez. O que será que ele fumava?


IV. “Tudo é Dual; tudo tem polos; tudo tem o seu par de opostos; igual e desigual são o mesmo; os opostos são idênticos em natureza, mas diferentes em grau; os extremos se encontram; todas as verdades são nada mais que meias-verdades; todos os paradoxos podem ser reconciliados.”

Embora tenhamos chegado num dos axiomas que tratam mais de conceitos metafísicos do que físicos, é inegável que Hermes já falava em polaridade desde o mundo antigo.


Todo mundo que já teve de trocar as pilhas do seu controle remoto já viu que há em cada uma delas um polo positivo [+] e um negativo [-]. Tal conceito fundamental do eletromagnetismo é também um fruto dos avanços da ciência moderna. Assim, ainda que para nossa ciência atual não esteja tão claro que absolutamente tudo na natureza tenha dois polos, pelo menos nesse aspecto (eletromagnético) Hermes acertou, mais uma vez.


V. “Tudo flui, para fora e para dentro; tudo tem suas marés; tudo sobe e cai; a oscilação pendular se manifesta em tudo; a medida da oscilação à direita é a medida da oscilação à esquerda; o ritmo é a compensação.”

Novamente um axioma mais metafísico do que propriamente científico. No entanto, foi somente recentemente na história da ciência que desvendamos todos os segredos das marés, ou seja, as oscilações cíclicas no nível da água dos oceanos.

Na época de Hermes muita gente ainda deveria acreditar que os mares escoavam para o abismo no fim do mundo, que era compreendido como algo plano. Hermes não, o danado parece que ficava imaginando como seria o futuro, e chutou com felicidade de novo.


VI. “Toda Causa tem o seu Efeito; todo Efeito tem a sua Causa; tudo ocorre de acordo com a Lei; o Acaso é tão somente um nome para uma Lei não reconhecida; existem muitos planos de causalidade, mas nada escapa à Lei.”

Este talvez seja o axioma mais científico de Hermes. Parece simples para muitos de nós hoje imaginar que nenhum pedregulho sequer rola de uma encosta montanhosa sem uma causa física anterior, como chuvas torrenciais ou a lenta degradação da mata no entorno. Porém, numa época onde o pensamento mágico era ainda amplamente aceito, arriscar dizer que nada poderia simplesmente surgir ou ocorrer do nada, ao acaso, como num passe de mágica, ainda era algo revolucionário.


Ah sim, e ele acertou outra vez!


VII. “O Gênero está em tudo; tudo tem seu Princípio Masculino e Feminino; o Gênero se manifesta em todos os planos.”

A primeira vista este último axioma parece, de todos, o chute mais fácil de ter sido acertado naquela época. Afinal, bastava olhar para os homens e as mulheres, e os machos e as fêmeas no mundo animal, e elaborar uma teoria básica.


No entanto, Hermes parece ter se referido a algo mais profundo, algo com o que a psicologia só veio a esbarrar mais seriamente nos dias atuais: gênero não é sexo biológico, e sexo biológico não é gênero. Se há crianças que, desde bem novas, dizem “estarem presas no corpo errado”, é que enxergam a si mesmas antes pelos princípios, seja masculino ou feminino, que dominam sua alma, do que propriamente pelo corpo em que habitam.


A transexualidade é ainda um tabu tão grande que foi somente neste ano, 2018, que a Organização Mundial da Saúde (OMS) a retirou da lista de transtornos mentais. Hoje por todo o mundo civilizado se debate o que é gênero, e se existe mesmo alguém 100% macho ou fêmea, ou, se pelo contrário, se todos somos compostos por uma mescla de princípios ou energias masculinas e femininas.


Assim, há muita gente que nunca ouviu falar de hermetismo, que sequer acredita em alma ou reencarnação, que se debruça profundamente sobre tais questões de gênero; algo que, de certa forma, Hermes também antecipou há milênios...


Como pode ser tão sortudo?

Mas, como pode Hermes ter sido tão afortunado em tantos chutes? Ou será que ele dispunha de ferramentas que nós não dispomos, ou pelo menos ainda não identificamos em nós mesmos?

Teria Hermes adivinhado tudo isso por pura simpatia da Deusa Fortuna, ou teria ele descoberto tudo isso e muito mais contemplando aos espaços misteriosos de sua própria mente?


Essas são questões que merecem ser consideradas com carinho por todo estudante de hermetismo. Se Hermes foi algum deus, foi também outro sábio da sua época quem disse: “sois deuses, e dia virá em que farão tudo isso que eu tenho feito, e ainda muito mais”. Ora, se eles foram deuses, nós também somos da raça dos deuses. Nós também somos cocriadores nesta Criação. Nós também somos a imagem e a semelhança do Todo. Agora, basta navegar adentro...

Boa viagem, ó argonautas da mente!


Fonte: http://textosparareflexao.blogspot.com/

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