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Vontade de Fugir de Tudo


Ir embora. Deixar tudo para trás. Começar outra vez num lugar onde ninguém me conheça. Talvez outro país, porque lá as coisas são melhores que aqui. Ou então numa casa no meio da floresta, onde poderei viver isolado da sociedade, das pessoas e de seus problemas mesquinhos.


Quem nunca pensou em alguma dessas possibilidades?


A fantasia de estar distante das pessoas e dos problemas sociais foi vivida por Henry Thoreau. O filósofo, autor de Walden e Desobediência Civil, nos conta em sua obra como foi sua tentativa de abandonar a sociedade e viver o mundo em sua simplicidade.


Para viver, nos diz Thoreau, um homem não precisa de muito. Ele precisa de água e comida para seu organismo se manter funcionando, além de abrigo e calor para se proteger do frio. Dinheiro, status, fama… ou um carro novo, uma promoção no emprego ou uma namorada de capa de revista. Tudo isso são falsos desejos que não nos trazem a felicidade.


A real felicidade pode ser encontrada estando sozinho numa cabana, no silêncio da noite, perto de uma lareira e admirando as estrelas sem nenhuma preocupação. A felicidade está na simplicidade da vida natural.


O estilo de vida de Thoreau influenciou muita gente. Desde os beatniks — escritores como Jack Kerouac — que viajaram os Estados Unidos como indigentes em busca de aventuras, até a história de Christopher McCandless, um jovem estudante que tinha um futuro promissor na sociedade, mas abandonou tudo para viver à margem dela (e sua história ficou famosa no filme Into The Wild — Na Natureza Selvagem).


Em todas histórias há algo em comum: um forte idealismo e a convicção de que a sociedade está corrompida. As pessoas não valorizam os afetos. Estão mais preocupadas com satisfações imediatas do que reduzir o sofrimento alheio. A política é lugar de desesperança, pois aqueles que realmente possuem o desejo de fazer a diferença têm pouca oportunidade nesse sistema injusto.


Se você deseja viver com integridade, o que fazer senão abandonar essa sociedade que nos obriga a tomar parte em coisas que não concordamos?


Talvez largar tudo para trás e andar por aí como um mochileiro sem documento ou destino seja demais para você. Mas quem sabe sair de sua cidade, de seu país… encontrar em terras estrangeiras outro tipo de pessoas, onde as coisas funcionem de outro modo. Quem sabe você se sinta mais feliz lá, e desconforto que você sente agora cesse de perturbar.


Pois bem, eu já fiz ambas as coisas. Já mudei de país. Fiz mochilão. E isso é o que tenho para contar para vocês.


Por que queremos abandonar a sociedade?

Não é estranho sentirmos que o ambiente ao nosso redor nos oprime. E por isso querer fugir dele.


Estar em sociedade nunca é fácil. Se você vive completamente sozinho e não depende de ninguém, você poderá fazer as coisas sempre como deseja. Sair e voltar quando quiser, pensar e se organizar ao seu modo, decidir quais serão seus próximos passos sem nenhuma pressão.


Se você tem família, amigos, um trabalho, ou o que seja, você não pode fazer somente aquilo que quer. As pessoas têm opiniões diferentes, muitas vezes desejam em direções opostas, e você estará frequentemente tendo que se conciliar com isso. Cedendo naquilo que você quer para obter outras coisas que também deseja.


Se expandimos isso para um próximo nível encontraremos o Estado. Qual a função do Estado senão regular a vontade das pessoas num nível gigantesco? Tomemos como exemplo o Brasil. São aproximadamente 200 milhões de pessoas. Qual a probabilidade de que as leis e regras satisfaçam a todos, ou que ao menos não deixe uma multidão de descontentes?


Nenhuma chance.


Fugir de todas as instituições que nos oprimem — o Estado, a família, o trabalho etc. — e encontrar um relicário onde ninguém vai nos perturbar com demandas arbitrárias parece fantástico. Mas geralmente não é.


É possível ser feliz na solitude?

Eu fui embora do país. Passei meses longe da família, de amigos, dos mesmos lugares e ambientes de uma cidade que já me sufocava. Visitei novos países, passei a falar novas línguas, conheci pessoas diferentes.


Não tinha mais nada constante na minha vida, apenas a inconstância. Como estava sempre entre uma viagem e outra, nenhum amigo era definitivo. Tinha laços pontuais com alguém que conhecia num hostel ou num voo, conversas muito interessantes, mas provavelmente nunca veria essa pessoa novamente. Jamais criava raízes.


Parece fantástico à primeira vista. Bastante deleuziano. Uma vida sem raízes, nômade, sem os laços que nos prendem e atam aos problemas e pequenezas do cotidiano. Se algo estivesse desfavorável, eu podia simplesmente ir embora.


No entanto — como diria Milan Kundera — há uma insustentabilidade na leveza. A mesma liberdade e leveza para que as relações nunca me causassem dano por sua superficialidade é a ausência do peso para que um dia elas fossem mais profundas e eu tivesse aonde me apoiar.


Pensamos que as relações leves são as mais agradáveis porque não temos que carregar coisas pesadas, dos problemas cotidianos aos grandes dramas de uma vida. Mas são os pesos que, compartilhados, nos tornam mais próximos das pessoas. Sem ter com quem compartilhar meus dramas, eu estava carregando os fardos sempre sozinho. E isso é muito desagradável.


Uma pessoa que está sempre ali para festejar com você não é seu amigo ou seu namorado. É apenas um colega que você mantém relações superficiais. Um verdadeiro amigo ou parceiro é aquela pessoa que passa por momentos difíceis ao seu lado, e permanece consigo durante eles, de modo que vocês constroem juntos uma história compartilhada que inspira confiança.


Foi assim que depois de dias de festa em Paris, eu estava sofrendo me sentindo sozinho naquela cidade. Estava longe de todos que eu conhecia, que cresceram comigo. Às margens do rio Siena, liguei para meu melhor amigo que havia ficado no Brasil e conversamos por algumas horas.


Foi na distância e na solidão que senti falta das raízes que havia deixado para trás.

Como no filme Into The Wild, a felicidade só existe realmente quando compartilhada com outras pessoas.


Experiências de solidão produtivas

Contudo, não quero dizer que o momento de solitude seja desnecessário. Há vezes que precisamos ir embora, nos separarmos do que está muito próximo e nos oprime. Nem que seja apenas para sentir falta e desejar voltar depois.


É como a história do filho que reclama todos os dias da mãe, de como ela lhe sufoca com demandas absurdas. Quando ele sai de casa percebe na ausência o quanto amava essa mãe e quer voltar para dizer como sente a sua falta.


Às vezes precisamos dar um tempo do que amamos para sentirmos a sua falta. Quando essas coisas estão muito próximas não somos inteiramente capazes de perceber isso. Precisamos de um tempo para refletir sobre o que desejamos.

Senta aqui.


Porque a falta é produtiva. O vazio, a ausência de ideias ou respostas para algo novo e desconhecido pode ser angustiante. Mas se conseguimos encontrar paz nisso também pode ser algo muito produtivo.


É no momento em que nossos conhecimentos anteriores falham que precisamos encontrar uma outra ética para a vida. Por isso viajar é necessário. Ainda que sejamos um antropólogo dentro do próprio quarto, descobrindo que apenas ao mudar nossa cama de posição se abrem novos ambientes e perspectivas em nossa habitação.


Trate de sustentar seu desejo

O final desse texto pode ser lido como o clichê de um psicanalista, mas também deve ser lido como uma lição de minha própria experiência.


A vontade de fugir é muitas vezes o desejo de escapar de um conflito. Diante de contradições, da imperfeição da vida conjunta, e da constatação de que as pessoas no fundo são egoístas e motivadas por crenças próprias (assim como eu sou, ainda que não me admita), eu me refugio no sonho de um mundo próprio, onde não precisaria lidar com esse Outro diferente e que desfigura tudo o que desejo em meus ideais. Um mundo onde eu não teria que lidar com esse Outro absurdo.


É uma questão que vejo se repetir infinitamente em várias análises: como sustentar meu desejo diante de um Outro que não é igual a mim?


Esse Outro pode ser uma mãe que não me compreende, mas ainda assim dependo dela; um marido que amo, porém não me reconheço mais nessa vida que tenho com ele; ou mesmo uma sociedade em que a vida política se tornou insuportável. Há infinitas faces para esse Outro que estamos sempre dialogando internamente em nosso desejo.


Fugir desse Outro pode até parecer uma solução adequada, se antes não o carregássemos junto de nós. Pois eis a grande armadilha:


Não se pode fugir do Outro porque ele é condição sine qua non do próprio desejo.


Aquilo que desejamos existe somente em condição dos conflitos que enfrentamos. Não existe um desejo no éter, no vazio. Desejar é esperar algo de um mundo que de fato existe. Um mundo de conflitos reais com pessoas reais. Sustentar o desejo é fazer algo –com tais conflitos — nesse mundo.


Para além de nos escondermos do Outro que nos ata e nos refugiarmos num mundo utópico livre de instituições, o verdadeiro desafio está em criar um cenário em que o desejo seja livre para se expressar mesmo em face desse Outro.


Em outras palavras, em descobrir que o mundo talvez não seja de todo ruim, e há pessoas e coisas interessantes com as quais se envolver.


Fonte: https://medium.com/@igorteo/vontade-de-fugir-de-tudo-d00215bc174

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